segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Os legados geopolíticos de 2013

Os legados geopolíticos de 2013 

Por: Roberto Sávio
No momento de esperança que o ano novo pode oferecer, seria útil examinar o legado que recebemos dos doze meses que terminam. Foi um ano cheio de acontecimentos: guerras, aumento da desigualdade social, sistemas financeiros sem controle social, decadência das instituições políticas e erosão da governança global.
Talvez nada haja de novo nisso, já que tais tendências nos acompanham há bastante tempo. No entanto, alguns acontecimentos têm impacto mais profundo e duradouro. Vamos apresentá-las brevemente, em forma de lista para recordar e conferir (mas não em ordem de magnitude)
1. O colapso da Primavera Árabe: O Egito e a Síria são suficientemente paradigmáticos para dissuadir outros países árabes a segui-los. Passará muito tempo antes que as lutas internas no amplo e diverso mundo do Islã possam ser resolvidas. O verdadeiro desafio, na região, é utilizar a modernidade como elemento de viabilidade. O golpe de Estado no Egito deu nova força aos radicais que não creem na democracia e nunca se saberá se a Irmandade Muçulmana poderia ter dirigido o país com eficácia, ou teria fracassado (o que é mais provável). Os estrangeiros não podem resolver este conflito, como mostra com clareza o exemplo da Síria – que se converteu em guerra de poder financiada por atores externos
 
 
2. Autossuficiência energética nos EUA: Em cinco anos, a exploração das areias betuminosas reduzirá as importações petrolíferas dos Estados Unidos à metade e, se esta tendência se estender, o país poderá chegar a ser autossuficiente em abastecimento de energia. O impacto no preço do petróleo é claro. Isso afetará a importância estratégica do mundo árabe e de países com petrodólares, como a Rússia. A indústria norte-americana receberá um forte impulso, enquanto diminuirá o incentivo para desenvolver energias renováveis em todo o planeta.
3. A impossibilidade de chegar a um acordo importante sobre mudança climática: O fracasso da última conferência sobre mudança climática na Polônia demonstrou que há pouca vontade política para chegar a um consenso global sobre a forma de abordar esta questão. No entanto, segundo a maioria dos cientistas que se dedicam ao estudo do clima, estamos nos aproximando rapidamente a um ponto de não-retorno, com a perspectiva de um dano irreversível no ecossistema global. Enquanto isso, investidores franceses estão comprando terras no sul da Inglaterra para plantar vinhedos. A Islândia é assediada por cada vez mais investidores (inclusive chineses), que querem explorar grandes extensões de terra, onde o cultivo está se tornando possível. Todas as nações estão se preparando para a exploração das reservas de minerais sob o gelo ártico, que, ao se derreter, abre novas vias para o transporte marítimo. Tudo isso demonstra que o mundo dos negócios, além de avaliar o cenário mais claramente que os governos, perde rapidamente qualquer noção de responsabilidade social.
4. Declínio dos Estados UnidosO presidente Barack Obama teve de cancelar sua participação na recente reunião de cúpula asiática, devido à crise orçamentária dos EUA. Mas o presidente russo, Vladimir Putin, participou e foi capaz de manobrar com êxito os acontecimentos na Síria. A concretização da reforma da saúde de Obama está ameaçada. Edward Snowden mostrou ao mundo que os EUA não respeitam seus próprios aliados. Enquanto isso, o Tea Party foi capaz de paralisar o governo norte-americano e levar o Partido Republicano a abraçar uma política de devastação do setor público. Gente em todo o mundo considera hoje os EUA um parceiro pouco confiável, em crise irreversível, com um presidente que pronuncia belas palavras, mas não é capaz de colocá-las em prática. Ninguém foi capaz de colocar o setor financeiro sob controle e os escândalos e multas gigantescas são uma realidade constante. Não há solução à vista na Palestina e os EUA enfrentam grandes dificuldades para se retirar do Afeganistão, enquanto o Iraque volta a mergulhar no caos. As negociações com o Irã dão forte impulso ao setor xiita radical no mundo islâmico. Os EUA foram, tradicionalmente, um país com grande capacidade de recuperação, mas seu futuro hoje não parece nada promissor.
5. Declínio europeuO ano de 2013 marcou a falta de unidade na Europa e o ascenso definitivo da Alemanha nos assuntos europeus. Hoje, só a macroeconomia conta no continente. A Irlanda é elogiada como bom exemplo, depois de ter conseguido controlar seu déficit público. Mas o dano em seu tecido social pode ser dramático. O mesmo está ocorrendo com Portugal. A Grécia é um exemplo extremo. Os gregos perderam 20% de suas receitas e o desemprego subiu a 21% – no entanto, mais cortes estão sendo exigidos. Este texto não pretende analisar como a Alemanha foi favorecida por políticas que destroem outros países, sem nenhum laivo de solidariedade. Nas eleições europeias de 2014, é provável que uma grande parte dos cidadãos vote nos partidos anti-europeus que surgiram em quase todos os países, com a exceção da Espanha, já que o governo de Mariano Rajoy é suficientemente de direita para ocupar este espaço – como demonstram as leis sobre aborto e ordem pública. O debilitamento do Parlamento Europeu irá se estender por muito tempo, até que a Europa recupere algo de atrativo, que perdeu aos poucos diante de seus cidadãos.
6. Nacionalismo chinês: Em poucos meses, o novo presidente, Xi Jinping, assumiu uma autoridade sem precedentes desde as épocas de Mao e Deng. Está fomentando a ideia de um sonho chinês, para galvanizar a população sob sua liderança. Este movimento apoia-se na afirmação da China como uma potência que se impõe perante o mundo. Foram dados passos audazes para consolidar as reivindicações territoriais do país, o que abriu conflitos com a Coreia, Filipinas, Vietnã e Japão. Com o governo japonês controlado agora por políticos nacionalistas, muitos analistas consideram a possibilidade de uma terceira guerra mundial iniciada na Ásia. No século 16, a China reunia 50% do PIB mundial e há forte desejo, entre os chineses, de recuperar seu papel no mundo. O tratado de defesa entre o Japão e os Estados Unidos converte este conflito em algo potencialmente global.
7. As mudanças no Vaticano. A eleição do papa Francisco supôs uma mudança de rumos muito necessária na igreja católica. O Papa colocou novamente ênfase nos seres humanos, em oposição ao mercado. Empregou termos como “solidariedade”, “justiça social” e “marginalização”, que já haviam desaparecido do discurso político. O presidente Barack Obama o seguiu, em certo momento, com um discurso claro contra as crescentes desigualdades sociais nos EUA. Entretanto, segundo a London School of Economics, em vinte anos a Grã-Bretanha voltará ao nível de desigualdade dos tempos da rainha Vitória. O papa Francisco é o único que denunciou o desmantelamento de estado de bem-estar social surgido no pós-II Guerra. Confiemos em que sua exortação dialogue com a possível redação de um novo Das Kapital, em que os protagonistas não serão os trabalhadores, mas os jovens.]

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