Egito: foi 'golpe de estado' ou não?
Influência dos militares na política egípcia não vai desaparecer tão
cedo
Quando um golpe de estado não é um golpe? Ou, perguntando de outra
forma: existe algo como um "um bom golpe", o que significaria que
também deve haver algo como um "mau golpe"?
Se isto existir, onde fica nesta escala a derrubada do presidente
egípcio Mohammed Morsi pelo Exército do país?
O fato é que encontrar as respostas a essas perguntas importa pouco.
Os outros países não podem fazer muita coisa a respeito das mudanças no
Egito. Nem mesmo os Estados Unidos, com suas tão apregoadas boas relações com
os militares egípcios.
E, em uma região problemática como o Oriente Médio, ninguém pode se dar
ao luxo de manter uma certa distância do Egito, mesmo se quisessem.
A conversa sobre Washington questionando o apoio financeiro americano ao
Egito, e particularmente aos seus militares, é apenas isto: conversa.
Então, em um nível, a discussão se "foi golpe ou não foi
golpe" é, como descreveu um conhecedor da situação egípcia, uma questão
que só deve preocupar os analistas ocidentais.
Cautela
Ela deu o tom das respostas iniciais de governos-chave ocidentais. Como
o presidente americano Barack Obama, por exemplo, ao dizer que os Estados
Unidos estavam "profundamente preocupados" pelas ações das Forças
Armadas Egípcias.
O general Sisi anunciou a queda do presidente Morsi (direita)
O que os governos dos outros países disseram sobre a queda de Morsi será
lembrado pelo povo egípcio, e a política americana às vésperas da tomada de
poder pelos militares gerou muitas críticas tanto dos partidários de Morsi como
de opositores do presidente deposto.
Este tom de contida reprimenda também marcou as declarações britânicas,
apesar de o ministro do Exterior, William Hague, ter ido ao cerne do problema
quando destacou a natureza dupla dos últimos eventos.
Foi, segundo ele, uma "intervenção militar em um sistema
democrático", disse, mas também foi, igualmente, uma "intervenção
popular".
Pragmatismo e
realismo
Então, colocando estes dois aspectos juntos, a derrubada de Morsi se
transforma em um "bom golpe"? A opinião mais pragmática seria a de
que é preciso esperar para ver o que vai acontecer e também seria bom
acrescentar uma boa dose de realismo.
Os militares egípcios tiveram um papel central na política do país antes
da saída do presidente Hosni Mubarak, se mantiveram no centro das atenções
depois dos levantes da Primavera Árabe e, nesta última crise, saíram dos
quartéis para impor o que acreditavam ser o interesse nacional.
A influência dos militares na política egípcia não vai desaparecer tão
cedo. Basta lembrar quanto tempo foi necessário para que os militares turcos
fossem colocados à margem da política daquele país.
Um presidente eleito democraticamente com certeza foi removido do
gabinete pelos militares e isto, na definição de qualquer um, soa como um golpe
de estado.
Mas, apenas uma eleição - não importa a vontade popular de fazer uma
mudança - não fez uma democracia no Egito.
Foi um golpe atípico em democracia imperfeita
Foi, como em tantos outros países da região: o Egito se encontrava em
uma jornada para a democracia, estava estabelecendo novos papeis para
instituições importantes, criando os órgãos representativos da sociedade civil
e, acima de tudo, o povo e os líderes políticos estavam aprendendo a se
habituar com essa nova realidade.
Alguns analistas dizem que foi precisamente pelo fato de não ter absorvido
suficientemente os hábitos democráticos que Morsi se viu desafiado nas ruas do
país.
Por este raciocínio, este foi um golpe atípico em uma democracia muito
imperfeita.
Se foi certo ou errado, é uma questão para os especialistas. Os governos
da região e os diplomatas no mundo todo terão que lidar com a realidade de um
novo Egito.
Dúvidas
Agora tudo depende da transição para uma ordem democrática renovada.
Líderes ocidentais deixaram claro que esta transição precisa ser rápida,
transparente e inclusiva.
Mas, grandes dúvidas ainda permanecem.
Como a Irmandade Muçulmana de Morsi será representada nas novas
instituições? Quanto apoio popular terá?
E, mais importante, que mensagem esta experiência egípcia envia para
grupos parecidos na região?
Eles poderão concluir que seria bom incrementar suas credenciais
democráticas. Ou, pelo outro lado, decidir que, depois de vencer uma eleição no
Egito, eles simplesmente tiveram o poder roubado de suas mãos - pondo em
dúvida, assim, todo o seu esforço e comprometimento com o processo democracia.
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