Mudanças e conflitos na saúde brasileira são possíveis temas na redação do Enem
"Me chama de Copa e investe em mim. Assinado: Saúde", diz o cartaz que o manifestante segura no meio da multidão. Durante os protestos que tomaram as ruas do Brasil no meio do ano um dos pedidos que mais se ouvia era justamente o de melhorias no sistema público de saúde. Ainda que este seja um tema importante para a vida das pessoas há décadas, em 2013 o problema ganhou uma dimensão gigantesca.
– As manifestações deixaram claro o descontentamento da população. Os gastos com a Copa também mostraram que a prioridade está nas grandes obras e não no básico. Uma questão que o aluno não pode deixar de lado é a saúde básica, que vai além da estrutura do hospital. Estamos falando de alimentação, vacinas, tratamento de água – explica a professora de redação do COC, Cyntia Silva.
Ainda no calor dos protestos, a presidente Dilma Rousseff anunciou medidas para resolver as principais reivindicações da população. "Sei que vamos enfrentar um bom debate democrático", adiantou Dilma. Os desdobramentos a partir daí são inúmeros: criação do Mais Médicos, baixo interesse pelo programa e necessidade de se importar profissionais, pouca aceitação dos cubanos e protestos da categoria pelo país inteiro.
Paralelamente, outras iniciativas aumentaram o abismo entre os interesses do governo e da categoria, como os vetos de Dilma ao Ato Médico ou a ampliação dos cursos de Medicina para obrigar os alunos a fazerem um estágio na rede pública, uma iniciativa que foi descartada posteriormente.
— O aluno não pode de maneira alguma copiar o tema só para ganhar espaço; ele tem que delimitar a discussão e trazer informações novas à redação. Se o assunto for saúde, o aluno pode trazer experiências vividas por ele, afinal, ele convive diariamente com este ou aquele problema — afirma a professora de redação Simone Machado da Silveira, do Tendência.
Todos estes fatos podem ser levantados pelo candidato na redação do Enem, mas é preciso manter uma coisa em mente: os acontecimentos mostram apenas pequenas partes de uma realidade muito mais complexa. Como explica o professor de redação do curso Mais, Walter Maldonado – o Waltinho –, ninguém precisa dar uma resposta concreta para o problema apresentado na prova, mas tentar achar saídas que respeitem a lógica dos direitos humanos. Isso faz parte do processo de se construir uma argumentação válida.
— O Enem sempre discute um tema nos âmbitos social, cultural e político. É importante entender que a prova não vai focar em assuntos específicos como a vinda dos médicos cubanos, mas tentar abrir a ferida que virou a saúde no Brasil. A partir desta questão pode-se discutir a qualidade do atendimento, o ensino de Medicina, a saúde da família e as especializações.
Confira alguns argumentos que podem ser levantados numa redação que tenha como tema as transformações da saúde no Brasil:
Os doentes esperam...
O atendimento precarizado no Brasil é um problema que interfere principalmente nas cidades do interior e nas periferias. Em setembro deste ano, a presidente Dilma divulgou um dado alarmante: em 701 municípios, cerca de 12% do total de cidades, não mora um único médico. O número de profissionais brasileiros tem aumentado gradualmente, mas a distribuição continua altamente desproporcional. Segundo a pesquisa Demografia Médica no Brasil, feita pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pelo Conselho Regional de Medicina de SP (Cremesp), o Brasil tem 1,95 médicos para cada habitante, um dado que coloca o país em quinto lugar no ranking mundial no número absoluto de profissionais.
A falta de médicos nas áreas básicas da saúde no país também é levantada como um grave obstáculo. A pesquisa do CFM e do Cremesp afirma que as quatro áreas com mais médicos especializados são básicas – Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Cirurgia Geral e Clínica Médica, que juntas formam 37% do total de profissionais. Entretanto, a especialização em Medicina da Família e Comunidade aparece em 19o lugar, representando apenas 1,21% do total.
...e os médicos pedem mais estrutura
A principal crítica dos médicos às medidas do governo é a tentativa de culpar a categoria pelos problemas da saúde. Os profissionais afirmam que o motivo de não haver interesse pelas cidades do interior é a falta de estrutura. A lista divulgada em agosto com os destinos dos cadastrados no Mais Médicos mostra que a região que os participantes tiveram mais interesse é o Sul – mais especificamente o litoral, justamente o contrário da proposta inicial. Apenas 1.618 médicos, 10% das vagas pedidas pelos municípios, foram preenchidas na primeira etapa do programa; na segunda, outros 672 profissionais se inscreveram.
O Mais Médicos foi estendido a estrangeiros sem que eles passassem peloexame Revalida, o teste que médicos formados em universidades estrangeiras fazem quando querem atuar no país. Isso deixou o clima mais pesado entre os profissionais e aumentou a rixa entre os conselhos de Medicina e o governo federal. Em maio, mais de mil médicos e estudantes de Medicina tomaram o Centro de SP em protesto contra a iniciativa do governo de trazer 6 mil médicos estrangeiros sem a revalidação dos diplomas. O Ministério da Saúde diz que o Revalida serve para médicos estrangeiros que querem atuar no sistema privado.
• Deu no jornal
A redação do Enem costuma trabalhar uma temática bem abrangente, por isso não vale dissecar um acontecimento pontual e deixar o contexto de fora. Entretanto é sempre interessante mostrar o quanto você está por dentro dos fatos que defi nem o rumo de um determinado assunto. Destacamos algumas notícias que circularam na imprensa:
6/5 – Mais de 6 mil médicos cubanos no BrasilOs ministros das Relações Exteriores do Brasil na época, Antonio Patriota, e de Cuba, Bruno Eduardo Rodríguez Parrilla, anunciaram parceria entre os países em maio. Entretanto, a ideia de trazer médicos cubanos começou em janeiro de 2012, quando a presidente Dilma esteve em Havana. 8/7 – Dois anos extra para estágio na rede públicaPara ajudar a minimizar as críticas levantadas durante as manifestações, o governo federal determinou que o curso de Medicina fosse ampliado de seis para oito anos, sendo os dois últimos reservados para um estágio na rede pública.
11/7 – Dilma sanciona Ato Médico com vetos
A lei que regulamenta o exercício da Medicina, o chamado Ato Médico, foi sancionada pela presidente com vetos em partes essenciais. O artigo 4o, o mais polêmico, teve nove pontos vetados – inclusive o inciso que atribuía exclusivamente aos médicos a formulação de diagnóstico de doenças. 31/7 – Fim das mudanças no curso de MedicinaDepois de dois dias de paralisação dos médicos em todo o país o governo recuou e desistiu de ampliar os cursos de Medicina para oito anos e obrigar os formandos a fazerem um estágio na rede pública.
26/8 – Médicos cubanos são chamados de escravosLiderados pelo Sindicato dos Médicos do Ceará, dezenas de brasileiros se reuniram na saída da Escola de Saúde Pública com faixas exigindo a aplicação da prova para a revalidação dos diplomas estrangeiros. No prédio havia 96 médicos estrangeiros, sendo 79 cubanos, participando de uma solenidade de acolhimento.
– As manifestações deixaram claro o descontentamento da população. Os gastos com a Copa também mostraram que a prioridade está nas grandes obras e não no básico. Uma questão que o aluno não pode deixar de lado é a saúde básica, que vai além da estrutura do hospital. Estamos falando de alimentação, vacinas, tratamento de água – explica a professora de redação do COC, Cyntia Silva.
Ainda no calor dos protestos, a presidente Dilma Rousseff anunciou medidas para resolver as principais reivindicações da população. "Sei que vamos enfrentar um bom debate democrático", adiantou Dilma. Os desdobramentos a partir daí são inúmeros: criação do Mais Médicos, baixo interesse pelo programa e necessidade de se importar profissionais, pouca aceitação dos cubanos e protestos da categoria pelo país inteiro.
Paralelamente, outras iniciativas aumentaram o abismo entre os interesses do governo e da categoria, como os vetos de Dilma ao Ato Médico ou a ampliação dos cursos de Medicina para obrigar os alunos a fazerem um estágio na rede pública, uma iniciativa que foi descartada posteriormente.
— O aluno não pode de maneira alguma copiar o tema só para ganhar espaço; ele tem que delimitar a discussão e trazer informações novas à redação. Se o assunto for saúde, o aluno pode trazer experiências vividas por ele, afinal, ele convive diariamente com este ou aquele problema — afirma a professora de redação Simone Machado da Silveira, do Tendência.
Todos estes fatos podem ser levantados pelo candidato na redação do Enem, mas é preciso manter uma coisa em mente: os acontecimentos mostram apenas pequenas partes de uma realidade muito mais complexa. Como explica o professor de redação do curso Mais, Walter Maldonado – o Waltinho –, ninguém precisa dar uma resposta concreta para o problema apresentado na prova, mas tentar achar saídas que respeitem a lógica dos direitos humanos. Isso faz parte do processo de se construir uma argumentação válida.
— O Enem sempre discute um tema nos âmbitos social, cultural e político. É importante entender que a prova não vai focar em assuntos específicos como a vinda dos médicos cubanos, mas tentar abrir a ferida que virou a saúde no Brasil. A partir desta questão pode-se discutir a qualidade do atendimento, o ensino de Medicina, a saúde da família e as especializações.
Confira alguns argumentos que podem ser levantados numa redação que tenha como tema as transformações da saúde no Brasil:
Os doentes esperam...
O atendimento precarizado no Brasil é um problema que interfere principalmente nas cidades do interior e nas periferias. Em setembro deste ano, a presidente Dilma divulgou um dado alarmante: em 701 municípios, cerca de 12% do total de cidades, não mora um único médico. O número de profissionais brasileiros tem aumentado gradualmente, mas a distribuição continua altamente desproporcional. Segundo a pesquisa Demografia Médica no Brasil, feita pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pelo Conselho Regional de Medicina de SP (Cremesp), o Brasil tem 1,95 médicos para cada habitante, um dado que coloca o país em quinto lugar no ranking mundial no número absoluto de profissionais.
A falta de médicos nas áreas básicas da saúde no país também é levantada como um grave obstáculo. A pesquisa do CFM e do Cremesp afirma que as quatro áreas com mais médicos especializados são básicas – Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Cirurgia Geral e Clínica Médica, que juntas formam 37% do total de profissionais. Entretanto, a especialização em Medicina da Família e Comunidade aparece em 19o lugar, representando apenas 1,21% do total.
...e os médicos pedem mais estrutura
A principal crítica dos médicos às medidas do governo é a tentativa de culpar a categoria pelos problemas da saúde. Os profissionais afirmam que o motivo de não haver interesse pelas cidades do interior é a falta de estrutura. A lista divulgada em agosto com os destinos dos cadastrados no Mais Médicos mostra que a região que os participantes tiveram mais interesse é o Sul – mais especificamente o litoral, justamente o contrário da proposta inicial. Apenas 1.618 médicos, 10% das vagas pedidas pelos municípios, foram preenchidas na primeira etapa do programa; na segunda, outros 672 profissionais se inscreveram.
O Mais Médicos foi estendido a estrangeiros sem que eles passassem peloexame Revalida, o teste que médicos formados em universidades estrangeiras fazem quando querem atuar no país. Isso deixou o clima mais pesado entre os profissionais e aumentou a rixa entre os conselhos de Medicina e o governo federal. Em maio, mais de mil médicos e estudantes de Medicina tomaram o Centro de SP em protesto contra a iniciativa do governo de trazer 6 mil médicos estrangeiros sem a revalidação dos diplomas. O Ministério da Saúde diz que o Revalida serve para médicos estrangeiros que querem atuar no sistema privado.
• Deu no jornal
A redação do Enem costuma trabalhar uma temática bem abrangente, por isso não vale dissecar um acontecimento pontual e deixar o contexto de fora. Entretanto é sempre interessante mostrar o quanto você está por dentro dos fatos que defi nem o rumo de um determinado assunto. Destacamos algumas notícias que circularam na imprensa:
6/5 – Mais de 6 mil médicos cubanos no BrasilOs ministros das Relações Exteriores do Brasil na época, Antonio Patriota, e de Cuba, Bruno Eduardo Rodríguez Parrilla, anunciaram parceria entre os países em maio. Entretanto, a ideia de trazer médicos cubanos começou em janeiro de 2012, quando a presidente Dilma esteve em Havana. 8/7 – Dois anos extra para estágio na rede públicaPara ajudar a minimizar as críticas levantadas durante as manifestações, o governo federal determinou que o curso de Medicina fosse ampliado de seis para oito anos, sendo os dois últimos reservados para um estágio na rede pública.
11/7 – Dilma sanciona Ato Médico com vetos
A lei que regulamenta o exercício da Medicina, o chamado Ato Médico, foi sancionada pela presidente com vetos em partes essenciais. O artigo 4o, o mais polêmico, teve nove pontos vetados – inclusive o inciso que atribuía exclusivamente aos médicos a formulação de diagnóstico de doenças. 31/7 – Fim das mudanças no curso de MedicinaDepois de dois dias de paralisação dos médicos em todo o país o governo recuou e desistiu de ampliar os cursos de Medicina para oito anos e obrigar os formandos a fazerem um estágio na rede pública.
26/8 – Médicos cubanos são chamados de escravosLiderados pelo Sindicato dos Médicos do Ceará, dezenas de brasileiros se reuniram na saída da Escola de Saúde Pública com faixas exigindo a aplicação da prova para a revalidação dos diplomas estrangeiros. No prédio havia 96 médicos estrangeiros, sendo 79 cubanos, participando de uma solenidade de acolhimento.
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