Pobres pagam mais impostos no Brasil
O Brasil diminuiu a desigualdade nos últimos anos e milhões de pessoas deixaram a pobreza. Porém, o país ainda está entre os vinte mais desiguais do mundo. Para avançar, uma das mudanças urgentes é a reforma tributária.
É o que diz Márcio Pochmann, um dos principais economistas do país. “Aqui, são os ricos que reclamam dos impostos, mas quem paga mais são os pobres”, afirmou em entrevista ao Brasil de Fato. Segundo ele, há uma grande resistência dos mais ricos em mudar essa estrutura. “Um exemplo foi a tentativa de mudar a cobrança do IPTU em São Paulo”, diz.
Pochmann é professor da Unicamp e presidente da Fundação Perseu Abramo. Foi secretário de desenvolvimento na prefeitura de Marta Suplicy em São Paulo e presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Nesta conversa, ele fala ainda sobre a importância política dos trabalhadores que saíram da pobreza nos últimos anos e analisa o fenômeno dos rolezinhos. “São manifestações que mostram a falta de espaços públicos”.
O Bolsa Família, maior programa de distribuição de renda do governo federal, completou dez anos. Porém, continuamos como um país muito desigual. Por que isso permanece?
Em 1980, nós éramos a oitava economia capitalista
do mundo, tínhamos praticamente metade da população vivendo em condições de
pobreza e estávamos entre os três países mais desiguais do mundo. Essa situação
praticamente permaneceu durante mais de vinte anos. Foi só num período mais
recente que nós conseguimos reduzir a pobreza e a desigualdade. Hoje, nós
estamos entre os quinze países mais desiguais do mundo. Houve uma redução
importante. E isso num período difícil em termos internacionais, devido a crise
econômica de 2008.
O que dificulta que esse processo avance mais?
O que dificulta que esse processo avance mais?
Existem dificuldades do ponto de vista político e
cultural. Nós temos, no Brasil, uma classe média tradicional que tem uma série
de assistentes na casa: trabalhadores domésticos, babá, segurança. É um
conjunto de pessoas que serve à classe média e aos ricos com base em baixos
salários. Com o combate à pobreza e a redução da desigualdade, essa classe média
tradicional vai perdendo a capacidade de abrigar todos esses serviços. E aí há
uma reação, uma resistência no interior da sociedade. E tem o preconceito
também. Em geral, um segmento muito pequeno da sociedade tinha acesso ao uso do
transporte aéreo, de poder viajar para outros países, por exemplo. Hoje,
segmentos com menor renda também podem ter acesso. Isso gera um desconforto.
Quais medidas ainda precisam ser tomadas para diminuir essa desigualdade?
Quais medidas ainda precisam ser tomadas para diminuir essa desigualdade?
A reforma tributária certamente é uma delas. No
Brasil, historicamente se arrecadou recursos tirando impostos dos pobres e se
gastou mais recursos para segmentos mais privilegiados da população. Olhando os
governos de 2002 para cá, o que nós tivemos foi uma melhora no perfil do gasto
público. Ele se voltou mais para os segmentos mais pobres. Isso é fundamental.
Mas ainda há o ponto de vista da arrecadação. Da onde vem o imposto? Nós temos
no Brasil uma estrutura tributária regressiva. Os mais pobres pagam
proporcionalmente mais impostos do que os mais ricos.
Há perspectivas de melhorar essa conta?
Há perspectivas de melhorar essa conta?
O caso de São Paulo me parece exemplar. Aqui houve
a proposta de reajustes diferenciados do IPTU, de acordo com o grau de elevação
nos valores dos imóveis. Mas isso gerou uma reação dos meios de comunicação,
dos muito ricos, que praticamente impediram na justiça a possibilidade de se
melhorar o perfil da arrecadação de impostos no município. A gente percebe que,
no Brasil, quem mais critica os impostos são os mais ricos, justamente os que
pagam menos. Nós temos aqui em São Paulo o impostômetro, que fica no centro da
cidade. Na realidade nós precisaríamos de impostômetro nas favelas. Porque é lá
que se paga imposto e praticamente quase nada se recebe do Estado.
Os mais pobres têm consciência de que pagam mais impostos?
Os mais pobres têm consciência de que pagam mais impostos?
Os mais ricos têm mais consciência, até porque o
tipo de impostos que eles pagam são conhecidos, são sobre propriedade. Você
recebe o carnê e sabe quanto paga de imposto. A maior parte dos pobres no
Brasil não tem propriedade. Então eles não têm identificação nenhuma de quanto
pagam. Os impostos que os mais pobres pagam são os chamados impostos indiretos,
que já estão vinculados ao preço final de um produto. Você não sabe quanto
paga, por isso não gera esse questionamento.
Hoje fala-se muito da nova classe média. Há uma nova classe social em ascensão?
Hoje fala-se muito da nova classe média. Há uma nova classe social em ascensão?
O que nós tivemos foi uma leva de 40 milhões de
pessoas que eram considerados trabalhadores muito pobres, miseráveis, e que se
transformaram em trabalhadores não pobres. Pessoas que passaram a ter um salário
melhor, ter acesso à previdência social, direitos trabalhistas, creche,
ampliaram o consumo. É semelhante ao que já ocorreu em outros países. Na França
na década de 1950, de cada dez operários, um tinha automóvel. No final dos anos
1970, de cada dez, dez tinham automóvel. Ou seja, eles melhoraram de renda,
passaram a ter um consumo que antes era visto como somente para os ricos, mas
eles jamais deixaram de ser operários, trabalhadores, não mudaram de classe
social.
A inclusão dessas pessoas se deu principalmente pelo consumo. Quais as conseqüências disso?
A inclusão dessas pessoas se deu principalmente pelo consumo. Quais as conseqüências disso?
O consumo em geral é a porta de entrada. Estamos
tratando de segmentos pauperizados para quem a adição de renda permite realizar
demandas, até estimuladas pelos meios de comunicação, que anteriormente eram
reprimidas. É natural que isso ocorra, não vejo nenhum mal. A preocupação maior
é que, em algum momento, esse segmento que emergiu vai governar o Brasil. É um
segmento em expansão, mais ativo, com uma série de demandas e anseios. E ele
olha para a estrutura de representação que nós temos hoje, e ela não os
representa.
Como assim?
Como assim?
Os partidos não conseguem representar esses novos
segmentos, assim como os sindicatos, as associações de bairro, as instituições
estudantis. Nós tivemos mais de 20 milhões de empregos abertos e a taxa de
sindicalização não aumentou. Nós tivemos mais de um milhão de jovens, em geral
de famílias humildes, que ascenderam ao ensino superior, através do Prouni, mas
eles não foram participar das discussões estudantis. Alguma coisa está
estranha. Há certo descompasso entre as instituições de representação de
interesses e esses segmentos que estão emergindo. E essa é a tensão na política
de hoje, saber para onde vai isso. Porque, embora não seja um contingente
homogêneo, é um grupo de pessoas que, organizadamente, fará a diferença na
política no Brasil. E esse é um desafio.
Vimos recentemente o fenômeno dos rolezinhos. O que esses eventos mostram sobre o momento do país?
Vimos recentemente o fenômeno dos rolezinhos. O que esses eventos mostram sobre o momento do país?
A impressão que eu tenho é que esses movimentos
expressam uma insatisfação. Acho que há neles uma crítica relativa ao grau de
riqueza que o país tem, mas que não dá acesso plenamente para essa população.
São manifestações que desejam mais, que cobram dos governos serviços de melhor
qualidade. E não só serviços públicos. Temos hoje problemas seríssimos de
serviços no país. Há uma crítica inegável aos serviços bancários no Brasil, aos
serviços de telecomunicações, de saúde privada. Estamos num momento em que essa
tensão em torno da questão dos serviços se associou à emergência desses novos
segmentos da população. São pessoas que estão satisfeitas com a ascensão, mas
querem mais.
No caso dos rolezinhos, qual seria a demanda?
No caso dos rolezinhos, qual seria a demanda?
Acho que é uma tensão em torno da questão do espaço
público. É uma visão que se tem de que o shopping center é hoje um dos poucos
espaços em que você tem segurança, tem lugares para caminhar. O que
infelizmente a cidade não tem, não tem calçadas decentes, não tem um espaço
público. O sonho de muitos prefeitos anteriormente era construir muitos espaços
públicos, áreas de lazer, de entretenimento. Hoje isso se perdeu em nome da
privatização do espaço público. É uma tensão também em torno de como ocupar o
tempo livre, porque hoje praticamente inexistem oportunidades coletivas,
públicas e adequadas para isso.
Dá para dizer que essa é uma das principais preocupações do jovem hoje?
Dá para dizer que essa é uma das principais preocupações do jovem hoje?
Em
parte sim. Mas nós ainda temos questões graves na juventude brasileira. Ainda
temos um problema de desemprego. Não é um desemprego comparado ao de países
europeus como Espanha e Grécia. É muito menor. Mas ainda há um problema de
inserção no mercado de trabalho. Também tem a questão da qualidade do emprego.
Temos empregos de baixa qualidade, principalmente para os jovens mais pobres.
Ao mesmo tempo, uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo mostra que o jovem
também não quer só emprego e renda. Ele quer também um outro horizonte de vida,
que ele não consegue se observar na realidade que nós vivemos hoje.
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