segunda-feira, 1 de setembro de 2014

"Eu tenho dó dela', diz goleiro Aranha sobre jovem que o ofendeu em jogo

Às vezes a gente deixa passar, finge que não ouve, mas por dentro dói', diz Aranha. Goleiro do Santos desabafa sobre ofensas sofridas em partida.



Aos 33 anos de idade, com 15 de futebol profissional, ele se viu acuado no estádio. O goleiro Aranha, do Santos, foi ofendido por torcedores do Grêmio na quinta-feira (28).
O time identificou cinco agressores até agora. Patrícia Moreira acabou se tornando um símbolo deles. Confira no vídeo acima a íntegra da entrevista com o goleiro.

Aranha: Eles vinham na muretinha como se fossem saltar e vir para cima e eu estava preparado.
Fantástico: Para quê?
Aranha: Para o que der e viesse.
Fantástico: Você achou que eles iam te atacar?
Aranha: Sim, por que não? A raiva que eles estavam, porque eles ficaram mais nervosos porque eles acharam que como a maioria faz, como eu mesmo já fiz várias vezes ali, até mesmo ano passado, a gente escuta e finge que não ouve.

Na quinta-feira, Aranha não fingiu. “E aí quando eles começaram a emitir som de macaco, aí eu não tive dúvida, aí eu não aguentei. Aí eu falei: ‘Ah, vou ter que estourar, é agora, não tem jeito’. Porque às vezes a gente tem que dar uma de louco, como a gente fala, senão ninguém presta atenção, ninguém te escuta”, conta o goleiro.
Fantástico: Você já tinha passado por essa situação?
Aranha: Centenas e milhares de vezes. No futebol isso infelizmente é normal.

Aranha diz que o problema é de todos. “Sempre quando acontece de acontece briga no estádio, esse negócio de racismo, de vandalismo, aí a gente costuma dizer, os clubes e todo mundo costuma dizer, ‘não são torcedores, é a minoria’. Mas a minoria manda? Se tinha duas mil pessoas ali atrás e cinco estavam tomando essa atitude, por que as outras pessoas não cobraram delas uma postura melhor?”, questiona Aranha. 
O Grêmio, que ainda pode ser punido até com a exclusão da Copa do Brasil, identificou cinco agressores até agora. Patrícia Moreira acabou se tornando um símbolo deles.

Fantástico: O que você achou dessa moça, quando você viu ela falando 'macaco', e aquela imagem bem fechada nela.
Aranha: Eu tenho dó dela. Como ser humano, e pelas consequências.

Patrícia perdeu o emprego, a casa dela foi apedrejada e ela deve depor nessa segunda-feira (1º) na polícia de Porto Alegre.
Aranha diz que aprendeu a enfrentar o preconceito ouvindo rap. 
“Eu tive a felicidade de aprender muito com o rap, porque esse pessoal, como sempre foi um pessoal sofrido e acusado e agredido. É um pessoal bem informado sobre política, sobre religião, sobre a sua história, a história do seu país. Como na periferia a gente ouve muito isso, porque é aquilo que está na nossa realidade, eu cresci preparado para esse tipo de situação”, diz Aranha. 
Fantástico: Fora dos estádios você também tem problema? Sofre com o racismo?
Aranha: Tem, tem. Isso aí muita gente tem. A gente vale o que tem. Ou o nome que tem. Eu sei que muitas vezes eu não sou aceito, eu sou tolerado. Porque sou o goleiro do Santos, bicampeão mundial. E porque eu tenho um carro bonito, porque eu compro isso, eu compro aquilo. Então muitas vezes eu sou tolerado, não sou aceito. Eu já morei em prédios, minha família está de testemunha, que não me davam nem bom dia.

Fantástico: A sua família acaba sendo atingida também, sofre com isso tudo, o teu enteado. Meu filho, é. Ele acabou colocando que tem orgulho de ter um pai negro.
Bernardo Maron, enteado de Aranha: Eu estava assustado, triste, porque eu não esperava que ainda esse pensamento ainda estava na cabeça das pessoas, pensava que tinha acabado.

Na noite de quinta, Bernardo, de 13 anos, entrou em uma rede social para dar apoio ao pai. “Eu fiquei quietinho na minha aí eu fui lá e pensei em escrever isso: ‘Eu já cansei disso, que isso é uma palhaçada e que eu tenho orgulho de ter um pai negro’”, conta ele.

Depois, telefonou para ele. “Eu falei: ‘força, pai, eu te amo’”, conta o menino.
“A gente já prepara uma conversa antes porque sabe que no próximo dia de escola vai ter aquela polêmica, ‘nossa, o que aconteceu com o seu pai’, só que graças a Deus eles são muito maduros, o futebol amadureceu até os meus filhos”, diz Juliana Costa, mulher de Aranha.
Na manhã seguinte, em um comunicado, Aranha citou um discurso de Martin Luther King, o famoso ativista americano assassinado em 1968 que lutou pela igualdade racial.
“Eu citei um trecho do Martin Lutther King, "I Have a Dream", que ele fala que ele tem um sonho que todas as pessoas fossem julgadas não pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu caráter”, diz o jogador.
Fantástico: Nos estádios, qual seria a punição para que isso não voltasse a se repetir?
Aranha: Essa mocinha aí, nunca mais pisar na Arena. Porque outras pessoas vão falar 'se eu tomar uma atitude dessas, se eu for flagrado, eu nunca mais vou acompanhar o time que eu gosto'. O futebol está caminhando para um lado de empresa, de espetáculo, mas as pessoas que vão assistir têm que se comportar como tal. Eu acho que a principal punição tem que ser essa, da pessoa nunca mais pisar no estádio, em um lugar público, porque ela me xingou ali, mas tinha vários outros negros ali.

Fonte: http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/08/eu-tenho-do-dela-diz-goleiro-aranha-sobre-jovem-que-o-ofendeu-em-jogo.html

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