domingo, 30 de março de 2014

Regime Militar deu golpe na educação do Brasil

Nos 50 anos da tomada de poder pela Ditadura, professores avaliam os prejuízos para o ensino



Na noite do dia 31 de março de 1964, o regime político vigente no Brasil sofreu um golpe. Mas o País seria golpeado muitas vezes até 1985. Para permanecer no poder, os militares prendiam, torturavam e manipulavam. A censura aos meios de comunicação limitou o acesso à informação dos brasileiros e também foi aplicada nas escolas, causando prejuízos com reflexos até hoje. 

Enquanto nos porões da ditadura, os que se opunham ao governo eram até mesmo mortos, na superfície, a tentativa era mostrar que o Brasil estaria vivendo um milagre econômico. A campanha ufanista da época encorajada a população a acreditar que vivia em um país do futuro, sem saber detalhes da repressão, ou de dados que desfavorecessem o regime. 

Certos livros considerados subversivos por qualquer motivo eram retirados do conteúdo bibliográfico dos colégios e das universidades. Os professores precisavam ficar atentos ao que falavam por medo de alunos e colegas infiltrados. O recado para se calarem era enviado através do sumiço de outros docentes. Além disso, houve reformas e inclusão de disciplinas com teor nacionalista. A mudança nos currículos na década de 1960 criou duas novas matérias: Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil (OSPB). O objetivo era transmitir a ideologia da Segurança Nacional. 

“Aparentemente, estávamos vivendo uma normalidade, mas nós sabíamos que não era bem assim”, descreve a professora de História, Ione Osório, 76 anos. Mãe de três filhos pequenos na época do golpe, dava aula na Escola Estadual Cristóvão Mendonza Caxias do Sul e, mais tarde, no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, o Julinho, em Porto Alegre. Ela lembra que a inclusão das duas novas matérias foi motivo de discussão, porque delegados de fora do colégio foram incumbidos de ministrar as aulas. “O currículo era para dar a aparência de que o Brasil era um modelo sob a gestão daquele governo, mas a estatística não era verdadeira. Os números eram maquiados, inclusive o de reprovados”, comenta. “Eu era coordenadora da História do Julinho e lutamos para que os próprios professores da escola dessem essas aulas. Dessa forma, adaptamos o currículo”, lembra esboçando um sorriso ao recordar de da forma que encontrou para driblar o governo e transformar a emenda das duas cadeiras nacionalistas em conteúdos de História do Brasil e Geografia, transmitidos de forma mais crítica.

Censura em sala de aula

Na Serra, logo no início do regime, a professora lembra uma ocasião em que ensinava regimes políticos. “Passava alguns exemplos do que acontecia no mundo e no Brasil”, conta. Ela ressalta que mencionava o que ocorria no país, mas não colocava o conteúdo da aula no papel por temer ser chamada pelos militares para dar explicação. “Sabíamos que muitos professores e alunos eram ligados ao regime e havia infiltrados”, diz. Essa era outra maneira de contornar a censura. Porém, um estagiário distribuiu à classe um programa não oficial. “Eu havia orientado que não colocasse no papel, mas acho que ele quis se expressar. A cópia em mimeógrafo foi parar no Comando do Exército e, depois disso, ele sumiu. Não concluiu o curso de História na universidade”, descreve sem conseguir controlar as lágrimas e lembrando também da detenção de cinco alunos.

Atualmente Ione é presidente da Fundação de Apoio ao Colégio Estadual Julio de Castilhos e voltou a uma das classes onde ministrava História para contar sobre o período da repressão. “Aqui no Julinho, a resistência era mais aberta, mas também havia na escola delegados do Departamento de Ordem Política e Social (Dops). O Grêmio Estudantil foi extinto”, diz. 

Memória da Ditadura ainda é recuperada

Segundo a professora, em razão da tentativa de controlar a informação, a memória sobre aqueles anos, só foi recuperada depois. “Nem nós que tínhamos interesse, sabíamos de tudo que ocorria”, declara, afirmando que a maioria da população só passou a tomar pé da situação, na década de 1980, após a abertura. “Até hoje, muitas coisas não foram elucidadas e ainda estamos descobrindo. A história nunca termina”, observa. “Acho importante tudo o que leva à verdade, mesmo que seja tarde.”

Regimes autoritários exaltam o nacionalismo

A professora de pós-graduação da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), Maria Helena Bastos, assegura que todo o regime autoritário costuma exaltar o nacionalismo e criar o sentimento de nação. Para ela, algumas mudanças no currículo foram responsáveis pela implementação de métodos que não estimulavam o pensamento crítico. “Formamos jovens para marcar cruzinhas”, descreve, avaliando que esse tipo de ensino não mudou muito efetivamente de lá para cá. 

Lembra ainda que os acordos e reformas não foram exclusividade do Regime Militar. Algumas versões já haviam sido ensaiadas. “Os acordos já vinham sendo gestados antes”, diz. 

Maria Helena observa que indiscutivelmente o controle à informação representou uma lacuna e atrasou o ensino. Eram diferentes formas de repressão, incluindo a proibição de livros, programas de TV e filmes. “Lembro de ler livros encapados”, diz, ponderando que a censura sempre fez parte da história do Brasil. “Portugal filtrava tudo o que vinha para cá”, afirma.

Contudo, observa que os malefícios do período militar ao ensino são relativos, já que houve alterações positivas no ensino universitário e de pós-graduação através de alguns acordos, por exemplo. Ela também lembra que houve expansão entre 1973 e 1985 da matrícula nas escolas em torno de 40%, apesar de essa ampliação do acesso não vir acompanhada de qualificação. “A memória tem sempre dois lados.”

Queda da qualidade do ensino público

Para o autor do livro Golpe na Educação, professor Luiz Antonio Cunha, as políticas educacionais durante o governo militar tinham o objetivo de cristalizar uma ideia de que a sociedade estaria em processo de degeneração. “A concepção da educação pública como elemento de regeneração da sociedade é herdada tanto do cristianismo, quanto do positivismo”, analisa. Por isso, foi reforçado o ensino religioso e, implementadas disciplinas com cunho nacionalista.

Outra vertente, explica o sociólogo, doutor em Filosofia e mestre em Planejamento Educacional, Luiz Antonio Constant Rodrigues da Cunha, foi a concepção de que o ensino seria um instrumento de acumulação de capital. “Se plantou essa ideia naquela época. Isso cresceu e deu muitos frutos colhidos até hoje”, ressalta. As consequências, segundo ele, foram subsídios para o fortalecimento do setor privado em todos os níveis. “Secretarias de educação foram assumidas por empresários em muitos estados, que fizeram com que a qualidade caísse nas escolas públicas”, observa. No período, também houve queda nos salários do Magistério. “Isso forçou uma demanda de educação privada”, afirma.

Em Minas Gerais, por exemplo, a lei determinava que para se abrir uma escola pública era preciso que o sindicato dos professores de escolas particulares estivesse de acordo. “A duras penas, o governo Tancredo Neves conseguiu mudar e legislação em 1983”, salienta.

O resultado foi o aumento da desigualdade. “É das mais fortes que já vi no mundo”, conta. “Até o Golpe, em todos os estados, as escolas públicas eram as melhores. Podia ter escola privada tão boa, mas não melhor do que as públicas. Depois a situação mudou”, declara, dizendo também que os quadros escolares nunca mais voltaram a ter o mesmo padrão. “Hoje a escola pública se transformou em escola para pobre e de má qualidade, com exceção de instituições federais e escolas técnicas”, diz.

Por outro lado, Cunha menciona, assim como a professora Maria Helena, que o ensino superior cresceu bastante na Ditadura. “Se criou um Frankenstein educacional: ensino público superior de alta qualidade e ensino fundamental e médio de baixa qualidade. Incongruente”, avalia.

fonte:http://www.correiodopovo.com.br/Noticias/?Noticia=521984

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